"Mudaram as estações, mas nada mudou..." Quem nunca ouviu falar em Legião Urbana? Hoje, a coluna "Retrô" passa a ser assinada por mim, assim como todas as outras colunas. E vamos começar falando sobre essa banda que marcou a história da música brasileira.
Legião Urbana foi uma banda brasileira de rock surgida em Brasília ativa entre 1982 e 1996. Ao todo, lançaram dezesseis álbuns, somando mais de 20 milhões de discos vendidos. Ainda hoje, é o terceiro grupo musical da gravadora EMI que mais vende discos de catálogo em todo o mundo, com uma média de 250 mil cópias por ano. O fim do grupo foi marcado pelo falecimento de seu líder e vocalista, Renato Russo, em 11 de outubro de 1996. A banda é uma das recordistas de vendas de discos no Brasil incluído premiações da ABPD com dois Discos de Diamante pelos álbuns "Que País É Este" de 1987 e "Acústico MTV" de 1999. A banda faz parte do chamado quarteto sagrado do rock brasileiro, juntamente com o Barão Vermelho, Titãs e Paralamas do Sucesso.
"É preciso amar as pessoas/ Como se não houvesse amanhã/ Porque se você parar pra pensar/ Na verdade não há..."
A banda foi formada em agosto de 1982 poucos meses após uma discussão de Renato Russo com sua antiga banda, "Aborto Elétrico", devido a uma briga com o integrante Fê Lemos (bateria) na música "Veraneio Vascaína" (na ocasião, Renato havia errado a letra e levou uma baquetada em pleno show). Com o fim da banda, Fê Lemos e seu irmão, Flávio Lemos (contrabaixo), reúnem-se com Dinho Ouro Preto e formam o "Capital Inicial". Para compor, Renato Russo se inspirava em bandas como Sex Pistols, The Beatles, Ramones, Gang of Four, The Smiths, The Cure, Talking Heads e Joy Division e no filósofo Jean-Jacques Rousseau (daí a inspiração para o nome artístico)
A primeira apresentação da Legião Urbana aconteceu em 5 de setembro de 1982 na cidade mineira de Patos de Minas, durante o festival Rock no Parque, que contou com outras oito atrações, entre elas a Plebe Rude. Esse foi o único concerto em que a banda apareceu com a sua primeira formação: Renato Russo (vocalista e baixista), Marcelo Bonfá (baterista), Paulo Paulista (tecladista) e Eduardo Paraná (guitarrista), hoje conhecido como Kadu Lambach. Na verdade, a Cadoro Promoções — empresa responsável pela produção do festival — havia contratado o Aborto Elétrico e até impresso centenas de cartazes com o nome da banda formada por Renato Russo, Fê Lemos e André Pretorius. Mas como o grupo havia acabado, Renato convenceu o dono da produtora, Carlos Alberto Xaulim, a se apresentar com a banda que tinha acabado de formar com o baterista Marcelo Bonfá. Após a apresentação, Paulo Paulista e Eduardo Paraná deixaram a Legião. O próximo guitarrista seria Ico Ouro-Preto (irmão de Dinho Ouro-Preto, vocalista do Capital Inicial), mas foi logo substituído por Dado Villa-Lobos, que assumiu a guitarra da Legião em março de 1983.
Brasília era ainda uma ilha cultural em relação ao resto do país. Até 1978, a história curta da nova capital não lhe atribuíra ainda nenhum momento particularmente brilhante nas artes, até porque não havia sido formada a primeira geração de artistas brasilienses. Estes estavam surgindo, justamente ali, com a cara que aquelas duas primeiras décadas tinha tido na cidade.“Química” era um dos hinos do Aborto Elétrico e foi a primeira canção daquela turma a ser gravada em fonograma e lançada em LP e K7 por todo o país. Não tardou para que Jorge Davidson, agente da gravadora britânica EMI, assinasse contrato com a banda.
"Quem um dia irá dizer, que existe razão, nas coisas feitas pelo coração..."
ÁLBUNS DE ESTÚDIO
O primeiro álbum, Legião Urbana, lançado em 2 de janeiro de 1985, é extremamente politizado, com letras que fazem críticas contundentes a diversos aspectos da sociedade brasileira. Paralelo a isso, possui canções de amor que foram marcantes na história da música brasileira, como "Será", "Ainda é cedo" e "Por Enquanto", esta última que é considerada como a melhor faixa de encerramento de um disco, segundo Arthur Dapieve, crítico e amigo de Renato Russo. "Geração Coca-Cola" é outra música famosa deste álbum. Com ares punks e guitarras distorcidas, assumiam a voz daqueles que tinham crescido sobre o período militar chamando-os de “Geração Coca-Cola”.
O segundo álbum, Dois, foi lançado em 1986. O lado lírico e folk aflorou mais. Se o primeiro trabalho tinha toda a urgência punk-aborto-elétrico, aquele era o contraponto, a visão complementar de um trovador que já não era mais solitário. O disco deveria ser duplo e se chamar Mitologia e Intuição, mas o projeto foi recusado pela gravadora, fazendo com que o disco saísse simples. A primeira música, "Daniel na Cova dos Leões" é iniciada com um pouco da canção "Será" envolto a ruídos de rádio e do hino da Internacional Socialista. É o segundo álbum mais vendido da banda, com mais de 1,2 milhão de cópias, e considerado por muitos o mais romântico. "Tempo Perdido" fez um grande sucesso e se tornou um dos clássicos da Legião. "Eduardo e Mônica", "Índios" e "Quase Sem Querer" também fizeram muito sucesso.
O disco seguinte, Que País É Este 1978/1987 foi lançado em dezembro de 1987. O sucesso de Dois fez com que a gravadora pressionasse muito a banda para o lançamento de seu terceiro álbum, sem que houvesse repertório para isso. Das nove faixas de Que País É Este 1978/1987, apenas duas foram compostas depois de Dois justamente as duas últimas, Angra dos Reis, em menção à construção de uma usina nuclear na cidade fluminense, e Mais do Mesmo, que em 1998 daria título à coletânea Mais do Mesmo. A música Que País É Este foi escrita em 1978, na época em que Russo ainda fazia parte do Aborto Elétrico. Faroeste Caboclo foi composta em 1979, na fase "Trovador Solitário" de Renato Russo. Com mais de nove minutos de duração, a música, que possui 168 versos e não tem refrão, conta a história do nordestino João de Santo Cristo. Russo a considerava sua Hurricane.
"Ele queria sair para ver o mar/ e as coisas que via na televisão"
O álbum As Quatro Estações de 1989, é considerado por fãs o melhor e mais inspirado trabalho do grupo, e inclusive pelo próprio Renato Russo. O disco possui o maior número de hits: são onze canções das quais pelo menos nove foram tocadas incessantemente nas rádios brasileiras.É o álbum mais vendido da Legião, com mais de 1,7 milhão de cópias, considerado a obra mais "religiosa" da banda. A obra de Renato Russo e, por consequência, da Legião Urbana circulava pelas fronteiras entre a ética pública e a ética privada, como definiu Arthur Dapieve no livro “Renato Russo, o Trovador Solitário”. Seja na condução do país, da coisa pública, dos meios de comunicação ou na sinceridade e respeito aos sentimentos individuais, era preciso disciplina, compaixão, bondade e coragem. Neste disco, essas esferas da vida de todo cidadão eram rediscutidas. Juntando Camões com a filosofia de textos bíblicos e budistas, a poesia de Renato chegava ao auge da forma e se tornava ainda mais precisa sobre os problemas do seu tempo. Do desgaste das relações familiares à Aids, da intolerância e dos preconceitos sexistas ao amor romântico idealizado e inatingível, a Legião Urbana encerrava os anos 80 traçando o panorama daqueles tempos e jogando luzes de esperança para dias tão sombrios.
O baixista Renato Rocha tocou com o trio nos três primeiros álbuns e chegou a gravar o baixo de algumas faixas do álbum, porém deixou o grupo devido a desentendimentos com os outros membros. As linhas de baixo originalmente gravadas por Rocha foram regravadas por Dado e Renato, que se revezaram nos baixos e guitarras. Músicas muito conhecidas, como "Pais e Filhos" e "Monte Castelo" fizeram parte deste álbum.
"Aonde está você agora/ Além de aqui dentro de mim?"
Lançado em Novembro de 1991, V é considerado disco mais melancólico da banda. Renato estava em um momento complicado de sua vida, por conta da descoberta de que era soropositivo um ano e meio antes, problemas no relacionamento com seu namorado, Robert Scott Hickman, e alcoolismo. O álbum é repleto de canções atípicas para os "padrões" da banda. A atmosfera de "Metal Contra as Nuvens", com seus mais de onze minutos de duração, é um dos destaques, assim como a densa "A Montanha Mágica". A crítica social de "O Teatro dos Vampiros" e a melancólica "Vento no Litoral" foram as mais tocadas neste CD.
"Dos nossos planos é que tenho mais saudade/ Quando olhávamos juntos na mesma direção..."
O álbum O Descobrimento do Brasil de 1993 foi lançado na época em que Renato Russo tinha iniciado o tratamento para livrar-se da dependência química e mostrava-se otimista quanto ao seu sucesso. Ainda assim, as letras oscilam entre tristeza e alegria, encontros e despedidas. É como se, para seguir em frente, fosse necessário deixar muitas coisas para trás, e não se pudesse fazer isso sem uma boa dose de nostalgia. Desta forma, Descobrimento é um álbum com fortes notas de esperança, mas permeado por tristeza e saudosismo. Ainda assim, é considerado por muitos o álbum mais "alegre" e delicado da Legião Urbana. Apesar de boas vendas, o CD não foi muito tocado nas rádios. As faixas de sucesso foram "Giz", "Vinte e Nove" e "Perfeição", música essa que foi na época uma pesada crítica ao Brasil.
"És, parte ainda do que me faz forte/ Pra ser honesto/ Só um pouquinho infeliz"
O FIM DA BANDA
O último concerto da Legião Urbana aconteceu em 14 de janeiro de 1995, na casa de apresentações "Reggae Night" em Santos, litoral do estado de São Paulo. No mesmo ano, todos os discos de estúdio da banda até 1993 foram remasterizados no lendário estúdio britânicoAbbey Road Studios, em Londres, famoso por vários discos dos Beatles; e lançados em uma lata, intitulada "Por Enquanto 1984-1995". A lata também incluía um pequeno livro, com um texto escrito pelo antropólogo Hermano Vianna, irmão do músico Herbert Vianna. A Tempestade ou O Livro dos Dias, lançado em 20 de setembro de 1996, foi o último da banda com o Renato Russo vivo. Além disso, o álbum possui densas músicas, alternando o rock clássico de "Natália" e "Dezesseis", ao lirismo de "L'Aventura", "A Via Láctea", "Leila", "1º de Julho" e "O Livro dos Dias" e ao classicismo de "Longe do Meu Lado". As letras, em geral, abordam temas como solidão, passado, amor, depressão, homossexualidade, AIDS, intolerância e injustiças, sendo um disco "melodramático" e de alma triste.
Algumas canções do disco sugerem uma despedida antecipada, como diz o trecho "e quando eu for embora, não, não chore por mim", da canção "Música Ambiente". As fotos do encarte foram tiradas próximas à época do lançamento, exceto a de Renato, que foi aproveitada da sessão de fotos do seu álbum solo Equilíbrio Distante de 1995, já que o cantor, um pouco debilitado, se recusou a fotografar para o disco. O álbum A Tempestade foi lançado inicialmente na época como um clássico livrinho com capa de papelão e anos depois relançado como álbum comum (caixa de plástico). A foto do guitarrista Dado é diferente entre as duas versões. Com exceção de "A Via Láctea", as demais faixas do álbum possuem apenas a voz guia de Renato, que não quis gravar as vozes definitivas. Também não foram incluídas as frases "Urbana Legio Omnia Vincit" e "Ouça no Volume Máximo", presentes nos discos do grupo. Em seu lugar, uma frase do escritor modernista brasileiro Oswald de Andrade: "O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus". O fim oficial da banda aconteceu em 22 de outubro de 1996, onze dias após a morte do mentor, líder e fundador da banda. Renato Russo faleceu 21 dias após o lançamento de A Tempestade, no dia 11 de Outubro de 1996. Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá seguiram suas carreiras e lançaram discos solo nos anos seguintes.
Uma Outra Estação foi um álbum póstumo. A ideia original era de que A Tempestade fosse um álbum duplo. Como saiu simples, o material não lançado foi retrabalhado e compilado no álbum de 1997. Canções como "Clarisse" ficaram de fora do álbum anterior por desejo do próprio Renato, que a considerava com uma temática muito pesada. A letra da canção "Sagrado Coração" consta no encarte, porém não possui registro da voz de Renato. O álbum conta com participações especiais como Renato Rocha, baixista dos primeiros discos da Legião, e Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas do Sucesso. A banda então prossegue fazendo sucesso e vendendo muitos discos, e se seguem muitas entrevistas e reportagens com os ex-integrantes, Dado e Bonfá. Muitos começaram a ouvir as músicas da banda após a morte de Renato, aclamado por alguns até mesmo como um herói, embora sem nenhum feito heroico, mas perpetuado como portador de uma visão crítica e realista.
"Mentir pra si mesmo, é sempre a pior mentira..."
Em 5 de setembro de 2009, após rumores sobre uma possível retorno as atividades, o site oficial da banda divulgou um comunicado, em nome da família Manfredini, Dado Villa-Lobos, Marcelo Bonfá e da gravadora EMI, esclarecendo que eram infundadas informações sobre retorno da banda, esclarecendo que "uma possível volta da banda Legião Urbana é falsa. Não existe possibilidade alguma de uma volta da banda Legião Urbana." Quinze dias após o desmentido, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá fizeram uma participação especial em um concerto do festival Porão do Rock, em Brasília. Em 2011, Villa-Lobos e Bonfá conduziram, juntamente com a Orquestra Sinfônica Brasileira, um show-tributo à Legião Urbana durante o Rock In Rio daquele ano. O concerto contou com convidados (como Rogério Flausino, do Jota Quest, e Toni Platão) que cantaram alguns sucessos da banda. No ano seguinte, a MTV Brasil organizou um novo concerto-tributo para a série MTV ao Vivo, em São Paulo, pelos trinta anos da banda. A homenagem teve o ator Wagner Moura, fã assumido da banda, como vocalista principal, além também de participações dos músicos Fernando Catatau e Bi Ribeiro e ainda doguitarrista britânico Andy Gill, do Gang of Four, uma das maiores influências da Legião. Vinte anos antes, a banda participou da série Acústico MTV, também do mesmo canal.
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